EXTINÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO: NOTA TÉCNICA

Escrito por ASCOM em .

As instituições abaixo subscritas, representativas dos principais segmentos responsáveis pela regulação jurídica do mundo do trabalho, vêm externar sua compreensão acerca da proposta de extinção do Ministério do Trabalho, tal como recentemente divulgada por vários veículos da mídia nacional, por meio da presente


1.    O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio foi criado em 26 de novembro de 1930, com estrutura detalhada pelo Decreto 19.433/30. Durante os seus quase 88 anos de existência, o Ministério do Trabalho passou por várias alterações estruturais, mediante a fusão e separação de outros ministérios ou secretarias, com acréscimos e diminuições de suas competências. Em nenhum momento histórico, porém – nem mesmo nos lapsos de intervenção autoritária –, o Ministério do Trabalho perdeu a sua centralidade, o status de ministério ou, mais importante, a condição de órgão federal responsável por gerir e organizar as relações entre capital e trabalho.


2.    Para ilustrar o quanto afirmado acima, apresentamos as alterações sofridas durante sua longa existência:


•    Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 26 de novembro de 1930;
•    Ministério do Trabalho e Previdência Social, em 22 de julho de 1960;
•    Ministério do Trabalho, em 1 de maio de 1974;
•    Ministério do Trabalho e da Previdência Social, em 11 de janeiro de 1990;
•    Ministério do Trabalho e da Administração Federal, em 13 de maio de 1992;
•    Ministério do Trabalho e Emprego, em 1 de janeiro de 1999;
•    Ministério do Trabalho e Previdência Social, em 2 de outubro de 2015; e
•    Ministério do Trabalho, em 12 de maio de 2016.

3.    Pelo exposto, pode-se claramente perceber que, apesar das muitas alterações, o Ministério do Trabalho sempre foi o principal elemento de referência, ao qual foram agregados outros órgãos, segundo a conveniência política e organizacional dos períodos respectivos. Jamais o valor “trabalho” foi politicamente secundarizado, tanto menos omitido.
 

4.    Esse protagonismo do Ministério do Trabalho reflete a importância dada ao órgão por todos os governos anteriores e, bem assim, a sua indubitável pertinência com os objetivos constitucionais do Estado brasileiro.


5.    A relação entre capital e trabalho atinge a todos os cidadãos brasileiros e seu sutil equilíbrio demanda a existência de estruturas próprias de regulação, com objetivos claros e definidos.


6.    Atualmente, a competência do Ministério do Trabalho encontra-se detalhada na Lei nº 13.502, de 1º de novembro de 2017, constituindo área sua exclusiva competência o que segue:


•    política e diretrizes para a geração de emprego e renda e de apoio ao trabalhador;
•    política e diretrizes para a modernização das relações do trabalho;
•    fiscalização do trabalho, inclusive do trabalho portuário, bem como aplicação das sanções previstas em normas legais ou coletivas;
•    política salarial;
•    formação e desenvolvimento profissional;
•    segurança e saúde no trabalho;
•    política de imigração laboral;
•    cooperativismo e associativismo urbanos; e
•    o desmantelamento da sua estrutura administrativa evidentemente compromete tais atribuições, retirando-lhe, ademais, qualquer organicidade convergente, o que sinaliza perda de eficiência.

7.    Sob o comando do Ministério do Trabalho, o Brasil modernizou e equilibrou as relações de trabalho em sua transição de uma economia eminentemente agrícola para a industrial, possibilitando o desenvolvimento econômico conjugado com estratégias de proteção física e mental dos trabalhadores, tudo em consonância com os princípios e diretrizes da Constituição de 1988, notadamente em seu art. 3°, quais sejam: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades e a promoção do bem geral, sem discriminações.


8.    Não fossem as conquistas históricas, por si só suficientes para justificar a manutenção do Ministério, há que salientar os muitos desafios que se avizinham em futuro próximo, notadamente no que atine à aceleração das inovações
 

tecnológicas e a perspectiva de seu profundo impacto no mundo do trabalho. Assim é que, no atual momento, o Ministério do Trabalho tem desenvolvido as seguintes políticas públicas, que passam a correr riscos de descontinuação à mercê da supressão das respectivas estruturas administrativas:


•    novas metodologias de controle e verificação de processos e procedimentos de registro sindical, impedindo desvios e fraudes;
•    implantação da Escola do Trabalhador no sistema penitenciário, para qualificação de detentos e egressos como forma de oferecer alternativas;
•    Implantação da Escola do Trabalhador nas 27 SRTs, para alternativa àqueles que não têm acesso à equipamentos e Internet;
•    convênio com os Correios para distribuição de CTPS;
•    consignado do Celetista: criação de programa de crédito consignado com garantia do FGTS para os empregados celetistas;
•    regulamentação de disponibilização de verba pelo BB para capital de giro de micro e pequenas empresas (no total de R$ 500 milhões);
•    viabilização junto ao BB no total de R$200 milhões para microcrédito orientado;
•    modernização das políticas de imigração para promover maior agilidade e abrangência no setor
•    regulamentação dos vistos de permanência para investimentos imobiliários;
•    regulamentação de vistos acadêmicos para professores estrangeiros;
•    abertura de processo de correição nos processos de concessão de registro sindical e de restituição de contribuição sindical urbana;
•    criação do programa de capacitação permanente de mediadores para atuação em todo o país, unindo os setores de fiscalização e de relações do trabalho;
•    assinatura de acordo com o TRF4 e início da implantação do SEI no MTb para garantir eficiência e transparência;
•    parceria com o TCU para implementação do comitê e do sistema de governança, riscos e controle no MTb, a conferir maior produtividade e eficácia nos processos decisórios;
•    acordo de cooperação entre CNI e MTb para monitoramento e implementação de medidas que favoreçam o ambiente de inovação no Brasil;
•    regulamentação da atividade de músicos e artistas, garantido direitos efetivos a milhares de profissionais no Brasil;
•    criação do Comitê de Estudos Avançados para o Futuro do Trabalho, para debater as interferências das inovações tecnológicas no mercado de trabalho, com ampla participação da sociedade, empresas, trabalhadores e academia.


9.    Todos os desafios atuais e futuros clamam por uma organização especializada, não sujeita a conflitos de interesses que possam comprometer a balança do equilíbrio socioeconômico e o atual nível de proteção das coletividades sujeitas a trabalho subordinado. Assim, a proposta de fusão dos Ministério do Trabalho e da
 

Indústria e Comércio sinaliza negativamente para um retorno do Brasil à década de 1920.


10.    Dessa forma, as signatárias posicionam-se contrariamente à proposta de extinção ou fusão do Ministério do Trabalho, por entender que qualquer iniciativa desse jaez gerará irreversível desiquilíbrio nas relações entre capital e trabalho, com evidente risco de violação dos compromissos internacionais assumidos pela República Federativa do Brasil na promoção do trabalho decente (v. Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento, 1998) e na não regressividade dos direitos sociais (v. art. 26 do Pacto de San José da Costa Rica).

 
Ronaldo Curado Fleury Procurador-Geral do Trabalho
 
Guilherme Guimarães Feliciano Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)
 
Wilson Fernandes Presidente do Colégio de Presidentes e
Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho (Coleprecor)
 
Ângelo Fabiano Farias da Costa Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT)
 
Alessandra Camarano Martins Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat)

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